26/02/2007

PEDRO E O LOBO

Fica aqui registado, para que se saiba que não é só na história.

Ontem foi domingo – para os hindus não é propriamente dia santo, mas descansa-se à mesma. Milhares de pessoas aproveitam para passear nos parques, jogar criquete em descampados, ou para ir dar uma volta à praia.

Eu cheguei de Pune a seguir ao almoço e como a meio da tarde houve um apagão em Bombaim que durou mais de quatro horas, resolvi fazer uma sesta, acordei com o som de ambulâncias. Em Bombaim ouve-se de tudo, a cidade é um caos para os sentidos, incluindo a nível auditivo – mas não se ouvem muitas ambulâncias. Percebi logo que alguma coisa tinha acontecido, alguma coisa fora de normal.

Vem hoje nas notícias: um grupo de cinco amigos decidiu celebrar o aniversário de um deles. Tentaram ir para um centro comercial, mas o segurança não os deixou entrar por estarem mal vestidos (?). por isso acabaram por ir para a praia de Marve, onde inventaram uma brincadeira de muito mau gosto – fingir que se estavam a afogar. Da primeira vez conseguiram chamar a atenção de quem passava, houve mesmo quem corresse para a água para os ajudar. Mas à segunda não tiveram tanta sorte, e o pior é que a brincadeira deu para o torto, quando duas raparigas acabaram mesmo por se afogar e morrer.

Um dos corpos foi recuperado antes do anoitecer, o outro apareceu hoje de manhã embrulhado nas redes dos pescadores.

25/02/2007

EU VI UM SAPO

E eu vi um Rolls Royce. Daqueles mais antigos, com rodas suplentes dos lados – daqueles que só se vêm nos filmes.

Foi em Pune, hoje de manha. E ontem a noite, fui ter com uma amiga a um bar de jazz, com uma banda holandesa a tocar no jardim, e conheci um velhote que é fã de Rão Kyao.

24/02/2007

ERA PARA SER

Era para ser uma noite de pescaria. Aparecem uns amigos em casa e passas a tarde em preparativos: é preciso confirmar se as canas de pesca estão em bom estado, é preciso ir comprar mais fio, alguns acessórios, dois tipos de isco. Sais de casa já noite, depois de jantar, para apanhar a maré certa. Passas por um bairro de pescadores mas nem sabes muito bem porquê, provavelmente para receber umas dicas, quem sabe para comprar um peixe só para não aparecer em casa de mãos a abanar – nunca se sabe, e é preciso impressionar a miúda.

A caminho da praia mais uma paragem: falta comprar álcool. Achavas que ias passar uma noite sentado numa rocha a olhar para o mar e a contar estrelas? Nada disso, enquanto esperas que algum peixe morda o isco, já agora bebe qualquer coisa.

Era para ser uma pescaria, mas não foi.

Não sei quando nem onde é que os planos mudaram, as coisas aqui acontecem em hindi e eu disso percebo pouco.

Era para ser uma noite de pescaria, mas acabas num casarão à beira mar, com piscina e um jardim de fazer inveja a muitas Cinhas e Lilis. Nada mau. A maré está baixa, por isso entre ti e a água há uns vinte metros de areia. A lua sorri. E já agora, se há álcool e cigarros e música trance num dos telemóveis, porque não fazer uma festa? Afinal, os donos da casa só voltam daqui a seis meses...

23/02/2007

PLEASE DO NOT WAIT


O PRAZER DO INESPERADO

Perceber que aquilo que era suposto já não vai ser. A sensação de impotência perante as coisas que acontecem à tua volta. Esquecer o futuro como o tinhas imaginado, porque o presente é tão rico e cheio de emoções que não permite planos rígidos, combinações sérias, compromissos.

O futuro muda assim que deixa de ser futuro.

Tudo o que tu vives, tudo o que sentes, todas as coisas que te permitem que te defines, no tempo e no espaço – tudo isso muda, tudo isso respira, como tu.

Inspira. Inspira bem fundo. Custa, eu sei. Mas faz como te digo. Deixa que o cheiro a lixo e a fumo e a esgoto a céu aberto se instalem nos teus pulmões. Mais vale assim que resistir. E agora expira. Liberta tudo. Reaprende a respirar, porque aqui vive-se a um ritmo completamente diferente.

22/02/2007

PASSO A EXPLICAR



Um dia sais de casa com três amigos porque um deles vai cantar num evento a 70km de Bombaim – é suposto passar a noite num hotel, e de manhã visitar um parque aquático. Levas fato de banho?

Instalas-te no hotel, vais ver o Abbey a cantar para uma plateia de velhotes... o que é que estamos a fazer aqui? É proibido beber, é proibido fumar, e atrás do palco há uma estátua gigante de Shiva esculpida na rocha e uma cascata iluminada por projectores de várias cores.
E de repente alguém anuncia que o evento vai acabar mais cedo que o previsto, a multidão dispersa e agora já não faz sentido ficar no hotel – por isso voltas para o carro e acabas a noite ainda mais longe de casa. E sem saber muito bem como, estás no meio da selva a tentar caçar um coelho, porque não encontras javalis.

HÁ NOITES ASSIM


Imagina um jipe. À volta tudo escuro, os faróis acesos são a tua única fonte de informação. Dizem-te que à tua frente há árvores, plantações de arroz e um caminho de cabras que lentamente vais percorrendo. No carro estão quatro indianos, além de ti próprio. Vão todos calados, fixando o escuro à volta; agora apercebes-te que há um projector aceso em cima do carro, a luz dança nervosa pelas árvores, rasgando o escuro, à procura de qualquer coisa.

Duas pancadas no tejadilho, o jipe pára. Olhas pela janela aberta, vês uns pés do lado de fora, há duas pessoas sentadas no tejadilho, num colchão ali posto só para este efeito.

Silêncio.

A luz do projector detém-se nuns arbustos a pouco mais de dez metros de ti. E de repente um tiro, e algures na selva um coelho a fugir de um destino que lhe razou a poucos centímetros do pêlo.

21/02/2007

CHEGUEI


Demorei 24 horas, mas cheguei.

Estou de volta à cidade dos quinze-dezasseis-dezassete... vinte milhões?! Cresceu assim tanto desde a última vez?

Sinto na pele o beijo suado de Bombaim. O beijo quente e pesado que desarma ao primeiro instante, é a forma da cidade deixar bem claro quem é que manda aqui. Um beijo suado, agressivo, apaixonado, cheio de desespero e energia e histórias por contar.

Dez e meia da noite: 29 graus Celcius.

Saio do aeroporto e encontro sorrisos que já não via há dois anos. Abraçamo-nos uns aos outros, rimos, contamos algumas peripécias e discutimos o calor, o trânsito e a cidade que não pára de crescer. Arrumamos as coisas no carro. Não passaram ainda cinco minutos, mas é como se nunca tivesse saído de Bombaim.

10/02/2007

LÁ VOU EU!

Amigos, vou dar (mais) uma volta.

Vou matar saudades de outros amigos, vou reencontrar lugares que também fazem parte de mim, vou aventurar-me em partes do mapa onde ainda não tenho um alfinete espetado.

Vou voltar para a Índia, diz o povo que não há duas sem três, e também diz que à terceira é de vez... e se assim for pode ser que seja desta que acabo o meu livro.

Vou para Bombaim no próximo dia 19. E depois sabe-se lá por onde vou estar, não tenho planos. Vou sem pressas, e cheio de vontade de me demorar um pouco por esta terra mágica e estranha. Pode ser por um mês, podem ser três - deixo a decisão ao Universo, a Deus, ao Destino ou seja lá a quem for que decide estas coisas.

Vou para a Índia! Vou redescobrir o prazer de pôr tudo em causa, de baralhar sentimentos e ideias, de me sentir perdido. E vou adorar!