15/04/2014

É DIFÍCIL DE EXPLICAR

Imaginem um templo budista desenhado e construído por uma espécie de Gaudi tailandês dos tempos modernos, com tiques de parque temático da Disney e a fazer lembrar um palácios de um filme qualquer fantástico, tipo Narnia, Senhor dos Anéis ou até o Game of Thrones.

O Templo Branco podia ser o palácio da Rainha Branca. Existe uma Rainha Branca, não existe?



É... é difícil de pôr em palavras. Tem qualquer coisa de perverso, de retorcido - mas é ao mesmo tempo imaculado e apaziguador. E é, de certa forma, ingénuo - diria mesmo infantil.

É kitsch, também.

O Wat Rong Khun é um lugar que desafia os dicionários, categorias e catálogos. Resulta da visão de um artista/arquitecto chamado Chalermchai Kositpipat, muito famoso na Tailândia, que decidiu dedicar o resto da sua vida a um projecto.

Já tinha visto fotografias na net, claro. Sabia mais ou menos ao que ia. Mas não há fotografias que expliquem a dimensão do que é este templo. Por isso decidi descrever algumas das suas particularidades. Fotografias não bastam.





Logo à "entrada" há dois elaboradíssimos sinais a proibir o consumo de álcool e tabaco, que têm tanto de tradicional como de inovador - e kitsch, já disse. No relvado ao lado, que não se pode pisar, há uma estátua do monstro do Predador (sim, aquele de cara feia do filme!) a emergir do chão, em tom ameaçador. Há crâneos de gesso, humanos e extraterrestres, pendurados nas árvores. E depois é aquela imensidão de branco e de espelhos. Até os peixes do lago. Tudo reluz.

Entra-se por uma pequena passagem ladeada de centenas de mãos estendidas em suplício, como almas danadas afogadas num pântano - no inferno? - a pedir ajuda.

Esta cena representa o Desejo e podem-se ver mãos humanas e robóticas, de bestas e animais, seres míticos, tudo o que se possa imaginar. Há mãos gordas e mãos magras, mãos deformadas, há dedos com anéis e outros esqueléticos, unhas pintadas e uma mão a segurar um enorme pénis. Algumas estendem potes como que a pedir esmola, utensílios vários... e vi também um pé - toda a cena é muito pesada, e de certa forma contrasta com todo aquele imaculado que se apresenta à nossa frente.

Depois atravessamos uma ponte. Ao bom estilo asiático, com dragões e outros seres míticos, esta ponte representa a passagem do mundano para o divino. E reparei ainda noutro pormenor, antes da ponte, menos óbvio mas que reconheço de outros templos, e que de certeza tem o seu simbolismo também: as pétalas da flor de lótus que costumam ladear muitos templos budistas estão também presentes, mas tombadas, como que derrotadas pelo peso do próprio templo. Que estranho.

E, no entanto, é dentro do templo que se encontra a maior surpresa.

Em vez de uma estátua gigante de um Buda e de toda a parafernália típica dos templos, este é muito minimalista. Tem uma estátua apenas, muito pequena - mas a parede por trás tem um fresco enorme de um buda sorridente e pacificador, muito bonito.

Talvez porque estou familiarizado com os templos budistas, assim que entrei e contemplei a parede que tinha em frente, virei-me para trás para descobrir o que tinha nas costas. E o mural que vi... é qualquer coisa de outro mundo. Não propriamente pela espectacularidade do pormenor ou do estilo... mas pelos elementos que contém. Pintado nessa parede estãos os males do mundo - na interpretação actual, crítica e kitsch do sr. Kositpipat.

Uma gigantesca caveira domina toda a parede, rodeada de negro e laranja, numa espécie de visão infernal do mundo de hoje. Nas escuras cavidades dos olhos estão desenhados os rostos de George W. Bush e do Bin Laden, como se fossem feitos de fumo. E por toda a parede há pormenores na paisagem muito interessantes: das Torres Gémeas a arder, numa referência explícita ao 11 de Setembro; a superheróis como o Homem Arenha, Batman, Hulk e Super Homem; passando por ícones da cultura pop como Michael Jackson, o Freddy Kruger, Hello Kitty, Matrix, Angry Birds ou Kung Fu Panda. Há uma chuva de mísseis a cair numa cidade, há telemóveis e monstruosas mangueiras de gasolina - tudo isto representa Mara, o Demónio que é também o nosso demónio interior, que representa todos os desejos, as tensões e os pensamentos de que nos temos de libertar, de acordo com a filosofia budista, para encontrar a Paz Interior.

É um lugar único, sem dúvida. Pena que não se possa tirar fotografias. Mas vou procurar na net.

E há mais. Estão ainda a construir um templo que vai ser enorme, com uma estátua de Ganesh no meio. O projecto arrancou no final dos anos 90 e supostamente vai levar 90 anos a completar. Ainda há muito por descortinar - mas uma coisa posso garantir: este templo é muito especial, à sua dimensão no mesmo espírito de uma Sagrada Família, um Taj Mahal ou um Angkor Wat.

Há-de dar que falar.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Grande, grande crónica!!!!
E que belas fotografias!!!!
Que tanto que viajamos e aprendemos contigo!!!!

Anónimo disse...

Acho que ainda não comentei por aqui ... mas ... "Caramba, que o Mr.George escreve!!!!"
Mais uma vez, foste inspirador! Mais cedo do que tarde, la terei de comprar uns trapinhos brancos :-)